quarta-feira, 31 de agosto de 2011

radioatividade

- Tudo que passou não tem fim...- Foi sua constatação árida depois de alguns minutos de silêncio, que logo se transformou em fumaça com um último trago no cigarro
Sabia que de qualquer forma ele nao a escutava. Há muito tempo não escutava suas palavras. E também seus silêncios, o que de certa forma parecia algo ainda mais triste. Sabia que aquele olhar a atravessava e que em alguns instantes soltaria uma dessas perguntas cinzentas sobre o dia a dia, dessas que incluem comidas, horarios ou transitos.
- Hoje faz um mês que voltei da viagem a Itália. Aquilo tudo foi uma loucura...Uma semana completamente só e perdida, sem saber o que fazer com o tempo nas mãos. Aquela organização falsa e superficial dos que viajam sozinhos e toda a comida quando nem sentia fome, os cafés e o vazio. E agora isso tudo me preenche, só consigo sentir carinho pelo que passou. Tudo ainda me afeta. Acho que as coisas do passado são pedras radiotivas que emanam essa coisa pra sempre...
- Radioatividade?
- É.
- Tudo continua nos afetando. Talvez ainda mais! Como se o tempo deixasse tudo mais maduro e pudéssemos provar infinitas vezes das mesmas experiencias. Podemos provar mil vezes da mesma fruta e o gosto se modifica...
Mastigando as palavras assim devagar, com um olhar baixo e vazio. Ela era uma catarse amorfa sentada no sofá.
Ele era o que sempre foi:
- Já são duas da tarde...Vamos comer alguma coisa?