sábado, 10 de dezembro de 2011

veia furou a pele e saiu
dali não pingou sangue
notei que embora o líquido não fosse real
me percorria indeciso entre sair ou não do corpo
até que. se misturou nele mesmo

quando o que te percorre já não tem trajetória
é assim. como não fazer questão do próprio sangue
e qualquer líquido alheio a ti é fonte segura de febre e pulso
teu corpo passa a ser o que está em volta
chuva e folha e mais não sei o que. órgãos infinitos que não te habitam e te mantêm em vida.
teu corpo vazio.

é quase que estar do lado do avesso,
e em vez de vísceras,
o mundo.

domingo, 27 de novembro de 2011

O tempo atravessado em flecha na garganta

Pensou que talvez fosse melhor retroceder
Alguns passos talvez. Talvez ninguém perceba
Reduzir-se em pó numa tarde qualquer
quando nada se espera. Então sumir pra dentro.

Constatou a morte pura da noite anterior,
num gesto único dos mutilados.
(Aos que se atrevem a verdade dança no canto dos olhos)
Morreu ali. Na altura do peito. No abraço sem volta.

quinta-feira, 17 de novembro de 2011

a língua dobrada num ângulo reto,
o veneno lento que não chega a existir,
a pausa. lacuna diabolicamente eterna. Não é daqui.
mas e se eu te contasse dos caramujos, caracóis
debaixo da minha pele
cobertos de epiderme e segredo
sentindo tudo sem sentir
num nó sutil e orgânico?
desses que se formam espontaneamente
quando o dia invade corpo adentro sem cerimônias.
e quando tampouco se pode entender certos tons de cinza.

vim falar sobre a aflição da potência
que rodeia c-a-d-a palavra em velocidade de borboleta
mas me perdi.
Nesse furacão singelo. na curva inquieta da asa

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Completamente crua.

Parece não ver.
E certas vezes parece até não sentir.
Branca.
Poucas vezes a vi com uma sede corrosiva.
Sua fome parece surgir na cabeça,
Talvez ela pense em comida mais do que deveria.
Se alimenta para calar fomes mudas.
Calar fomes mudas.

Parece sobreviver. Sempre.
Mesmo em tardes amenas,
Na doçura do momento.
Nada de desfrutar. Sobreviver.
Ainda que levemente alegre.
Dessas alegrias bobas, festivas.

Ela vive na periferia.
Vive na periferia de si mesma
Equilibrando-se na própria escassez.

Parece não salivar.

Parece não crer em nada.

Da última vez que foi vista
Vagava silenciosamente

...dentro de si mesma.

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

Ele disse que não me via há muito tempo
Realmente. Meses.
Poucas coisas pareciam ter mudado.
Talvez um sofá, livros ou
Talvez até as sombras das árvores ali de fora
Tudo era mais denso
Tudo parecia fazer questão de existir. Sabe?
Então ensaiei mentalmente o que diria naquele momento esquisito
(e então descobri que gosto do gosto desses momentos estranhos)
Ensaios são inúteis. Me entreguei num nó de palavras sem volta.

Ele lembrou. “ lógico que me lembro. Pelo tom da tua voz...”.
Foi assim que percebi que ele não era humano. Pelo menos não até agora.
E não sei como isso me escapou da ultima vez que o vi. Como não perceber esse tipo de coisa. Mas ele não era mesmo.

O que ficou foi o tom da voz.
Como se nada mais importasse
depois dessa coisa sem medida
sem ensaio, ritmo. Sem verniz.

O tom.

Assim tão seco,curto.
essa forma de reconhecer e lembrar
tem uma febre nisso tudo. Sente?
Instintivo,
animalesco.

quinta-feira, 13 de outubro de 2011

monstro

Assim como se a melancolia fosse líquida
E escapasse sutil e discreta pelos poros da pele
e então envolvesse o corpo num suor voluntário
Ele era assim envolto na própria melancolia do ser
Como se ela fosse sua parte mais crua e eterna
E como se nada mais restasse além dela
depois de um sopro de vida

Ele era assim melancólico.
A cabeça acariciava o ombro num gesto redondo e dengoso. Triste.
Chorava mágoas inventadas
Sem dúvida era desses que os dias se passam
mais dentro que fora.

Quando caminhou na minha direção
a melancolia escorria pelas pernas e braços
Talvez tudo fosse intenso demais dentro dele
e ele mesmo não suportasse.

E tão humano ele era.
Ainda que de um certo ângulo
pudesse ver algo assim. Uma espécie de monstro.
É que as vezes o corpo não lhe cabe.

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

em chamas

Ele não disse nada
Quando sentou ao meu lado
já estava em chamas
Assim sem perceber a ardência que lhe tomava
fazia pequenos movimentos com as mãos
em ações banais
atípicas aos que fervem

Seu calor quase me envolvia
e então pensei em mudar de lugar
e depois. depois não
achei que minha atitude
pudesse assim beirar o preconceito

e lá estava ele em chamas

e nós envoltos em silêncio
o silêncio absoluto dos desconhecidos