segunda-feira, 22 de novembro de 2010

tête à tête

Talvez ela tivesse algo nos olhos essa noite, algo que a denunciava de forma cruel e sem volta.
É que por dentro era como se estivesse em um balanço, onde o máximo que se alcança nos dois lados opostos é algo como se perder. E se encontrar. Se perder. Se encontrar.
Possivelmente isso divertia. Ainda que se sentisse revelada, quase que do avesso.
Como se nao bastasse esse ponto, essa chegada ao "se perder" de tempo em tempo, suas palavras de nada valiam. Seguro que podia ver todas aquelas palavras,preposiçoes e pausas como copos no ar, entornando seus conteudos, esvaziando.
Talvez ele juntasse esses copos vazios com o movimento que as maos dela desenhavam e formasse palavras inexistentes, cheias de sabor.Palavras frescas e efêmeras.E talvez por isso ele sorrisse tanto.
Ele se servindo de copos vazios, quase rachados. Ela negando cortejos e flores invisíveis.

É que as vezes eles conversam com palavras ocas. Se lambusando de ausência.
Como se um oferecesse casca de fruta ao outro.
E como se essa fosse a melhor parte...

sábado, 20 de novembro de 2010

!

Nós? Reles mortais?
E existe algo maior
que morrer?

Os deuses que me desculpem.
Nada de reverências.
Se quiserem conversar
é aqui. Pao e café.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

pedaço

Meu reflexo em uma vitrine de tortas doces
Meu rosto torto e as tortas.
Tijolo e tâmaras
Tortura e tesao
Minhas caras tortas
Leia de novo: minhas caras tortas.

quarta-feira, 10 de novembro de 2010

.

Te mostro uma foto e falemos entao de molezas humanas.
Uma cama recém usada, recém dormida. Assim, com os lençois fazendo montanhas e vales e formando sombras e liberando pouco a pouco todo o sonho que guardou. Essa luz amarela, essa coisa das luzes amarelas nas camas. E essa mulher sentada, tao nua. Sim, pois talvez existam niveis de nudez, depois que se está completamente nu.Sabe? Uma pessoa talvez possa estar mais nua que uma outra, mesmo estando as duas nuas.
E ela tao nua, curvada, sentada, olhando as pequenas montanhas amarelas, assim como se nao tivesse que viver mais para nada.
E mostrando suas curvas verdadeiramente humanas, seu olhar verdadeiro e tudo.
E sao tao bonitos esses erros. Esses desconcertos e essas molezas e essas montanhas.
Sem capas que te façam melhor, sem fórmulas, sem fôrmas.
Entende essa moleza humana? Humanos feitos de acasos e textura.
Textura, meu bem. É tudo uma questao de textura.

domingo, 3 de outubro de 2010

expansao

Nao, nao. Espera, voce nao está entendendo. Eu tive vontade de te dizer essa música. Eu nao quis dizer as palavras que compoem a melodia. Entende? Eu quis te dizer a música. Nao no sentido de te oferecer alguma coisa, como um presente ou algo bonito, tambem nao é isso. Eu quis dizer a musica.
Nao que eu procurasse algo para dizer a ti e encontrei uma musica perfeita para faze-lo.Tampoco es eso.
Eu ouvi a música, senti suas texturas, seus desenhos, seus contornos, seus gráficos e alfabetos e todos os seus jardins e quintais. E senti que deveria te dizer essa musica. Eu nao quis dizer nada com ela, sabe. Nao adianta ler as entrelinhas, nao há nada ali. Simplesmente quis te dizer uma musica.
É como se eu disesse que tem um flor no teu cabelo, sem ter. Simplesmente por que me parece bonito dizer algo assim como "menino, tem uma flor no teu cabelo" e o fizesse pela sonoridade das palavras, pelas fotos que elas carregam, pela melancolia de uma flor em teus cabelos.Entende?

sábado, 11 de setembro de 2010

lingua

Viver em um espaço nada físico, limitado, quadrado.
Espaço que nao te pertence. Sem dimensoes.
A lingua é espaço. E se pode viver em espaços, mas nem sempre existir.
(Bonita sutileza que repousa em abismos. Viver e existir...)
Pode-se viver na lingua, sentir-e envolvido por ela. Sim.
E nela correm, como carros velozes, sem freio, todas as ideias perdidas,
todas as curvas e avenidas. Todas as rotas.
Rotas de vinho rascante, seco. Pura sinestesia.
E se nela te faltam palavras. Se nela nada repousa, é preciso viver um pouco mais.
E quando nao há mais palavras para dizer,
quando desenhas circulos em volta de tuas ideias.
Quando as palavras existem, mas nao as alcanças. Elas pairam no ar sorrindo de ti.

E entao nascem borboletas.
Borboletassaopalavrasquenaoforamditas.
Borboletas sao palavras que nao foram ditas.

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

Assim como o vestido lhe caisse bem, em um corpo que talvez não fosse seu.
Como se não tivesse importância ter um corpo ou molda-lo. Ou fazer qualquer outra coisa para que ele se tornasse mais seu. O corpo. Simples ferramenta de uma alma livre.
Daquelas que se reconhece pelos olhos.
São corpos que exalam humanidade, almas que não cabem em corpos.São capazes de qualquer coisa. São poços profundos de melancolia, saudade e paixões. E são grandes e pequenos e volumosos. Molezas humanas. Sutilezas que não se escondem. Gritantes.
Corpos transparentes. Capazes de transformar a luz do sol em cores que não existem.
Nada é previsivel quando almas não cabem em corpos.
E aí sim. Tudo pode ser...

sexta-feira, 30 de julho de 2010

camadas

O livro só. Dentro da tarde.

Dentro da tarde. Dentro da tarde.

O livro mais bem guardado.

Envolvido em camadas finas

de tardes alheias

de vozes alheias


Ele não sabe que é livro.

Nem as vozes sabem que são vozes.

Tudo envolto em tarde.


Tudo faz questão de ser.



velha

Aquela velha que habita em ti
Doce e besta
Envolta em fumaça e inveja

A velha que se desvira
Se desfaz. De dentro para fora
em cambalhotas senis.
Rastros de ossos.

Velha de avental e macumba
Velha e pomba
com tempo de sobra
com tempo lhe escorrendo pelos olhos

Olhos de inveja.
Dos amores que passavam por ali.
Dessas velhas que habitam em ti.


quarta-feira, 21 de julho de 2010

Espero que as tuas sejam das mais doces...

Quando diz suas palavras e quando libera seus desejos, você tem mortes atras de mortes, empilhadas e infinitas. Mortes suas mesmo. Ainda que seja doce. E espero que seja. Tens mortes rígidas e seguras de si.
Na curva que se estende de dentro de ti para o mundo a fora, as mortes se acumulam.
Pois nada é e nem nada será como pensas e nessa frustraçao tens a morte.
E entao tens o desejo, depois a vida, o real e tudo aquilo que nao te pertence, tudo aquilo que só pertence ao tempo. Depois, sim, você morre um pouco. Pouco a pouco.
Cada tentativa de tornar real o que está dentro de ti é pura morte. Cada vez menos. Amarga.

segunda-feira, 24 de maio de 2010

flamenco

La torre
del más antiguo castillo
Más grande y oculto
Lleno de colores
velas y voces
Se convierte en ruinas
huracanes, vendavales.
Estructuras y ladrillos de baile
Dejando volar
revoluciones de toda
la humanidad
Así ella baila
sobre su descontento.
Pero, con la sonrisa
de los que eligen sus proprios caminos

quinta-feira, 8 de abril de 2010

oco

Teus santos dentro das caixas,
dentro das caixas, dentro do quarto
Teus santos envoltos em cores gritantes
Revelando o que nunca foi dito
Desses santos ocos que tens
nas estantes internas
Desses que te ajudam a dormir
São santos e mais santos
misturados, semi quebrados
tilintado, compartilhando vazios
Seus olhares não me dizem nada
só o que era para ter sido.
Tua alma vazia
Teu corpo fechado,
muito santo
Sinto muito.

quarta-feira, 24 de março de 2010

azia

Uma teoria inquestionável
irredutível, petrificada.
Um totem imponente
abstrato.
Palavra inexistente
quadriculada
o sumo do sumo
Teoria assexuada
Blocos que se sustentam
verticalizam
no meio do nada
Repetida, Reforçada.
Teoria em pedra no vazio.
Afirmativa. Teoria aflita.
Teoria
v
a
z
i
a

domingo, 21 de fevereiro de 2010

entardecendo, em tarde sendo

Não se vê ninguém. O absoluto se desfaz, esfarela. Nada concentrado, nenhum ponto sobressalta, nada se dilata. Tudo exatamente em seu lugar deixando o sol das quatro invadir, corroer, penetrar. Não se vê esquinas, dobras, descontínuos. Nada é interrompido.
Tudo flui. Tudo dança. Tudo entardecendo junto. E não tem ninguem lá. Só cadeiras, mesas, vidros, acessórios, inanimados.
O sol das quatro deixa tudo uma coisa só. Entardecendo.
Já sentiu que pode entardecer? Como todas as outras coisas. Você compondo o ambiente. Não mais existindo. Só entardecendo.

O sol das quatro. Chega a doer.

sábado, 13 de fevereiro de 2010

0,00

Extrato bancário
O substrato social
maquinário inteligível
fenômeno paranormal

Subsídio da alma
poder extraviado
substância anti subversiva

Suco concentrado
de substituto do subsecretário
Subumano subornado
súdito de um extrato

meu saldo
esgotado

A ave que o poeta cria

A Ave Maria.
Arrítmica,
sacolejando penas gastas
A ave Maria
Perdida em tremeliques
samba falso
e avenida
Sem dono
e opção
Sem rotina
e sem gaiola
Vou rezar por você
Agora
e na hora de sua morte
Amém

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

canto

Uma luz tênue
amarelada
um ponto sem expansão
sem pretensão
de ser algo a mais

simples luz
uma porção limitada de solidão

nem tudo o que a escuridão leva embora
nem tudo o que a claridade torna excesso

uma luz no canto do quarto
luz no canto do mundo

domingo, 17 de janeiro de 2010

simples. nunca simplório

Flor prendada
feita de linha
linho
Um miolo de botão
Flor de pano estampado
não é rosa cálida
É flor de pano
calada mesmo
Cheia fofa.
Ela é ponto sem aroma
saltando sutilmente aos olhos
Quase pronta.
Dançando nas mãos da senhora
que lhe da forma, vida e cor
ela sabe que ja já vai dar samba
esse jeitinho dela de ser flor

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

lobos

Loucos. Somos loucos
vivemos num samba eterno
de loucura explícita.
Vivemos na corda bamba
que repousa sobre nossas incertezas
Eternos loucos
Frágeis e fortes
cheios de vida e amores
Enquanto tudo parece morto a nossa volta
dançamos como lobos
num ritual apocalíptico
Dançamos para manifestar
a eterna leveza de ser o que se é
Em meio à trevas, cavernas
vales profundos e negros
somos nós mesmos.
Verdadeiros Nós.

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

espelho

As palavras não ditas
Presas em celas eternas
Sem fim

Replicam-se pelos
Corredores escuros que vem
De dentro de ti

Enquanto teu canto for dor

Enquanto teu tempo for água corrente

Teu corpo será feito de vento
Tua alma entregue ao mundo

Será resto remoído, ruminado
Rastreado, retardado.
Será resto.

Teu rosto.
Teu resto.

segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

entre paz e solidão

É nos meus tempos de ócio
É desse jeito meio torto
de ver a vida se desenrolar
Eu vejo tudo daqui
Por onde os passos me cercam
Por onde o silêncio jamais penetra
A chuva não me atinge
Eu vejo tudo daqui
É nesse meio tempo do dia
segundos calados
sem caras, rótulos e curso forçado
que vejo o que quero
a vida se desenrolar
Cercada de um povo lindo
com cores que não me cegam
Minha delícia, meu deleite
Nesse curto espaço de tempo
meu passo é puro retrocesso
Antes que me puxem de volta
antes de me acordar
diga que virei pássaro
diga que fui voar

vem de fora

A vaidade
fora do espelho
da rota
do rosto
Fora do vermelho
do gesto escondido
do beijo
sem sentido

A vaidade mais pura
na barra da saia
nas mãos do menino
Sem origem, sentida
vaidade simples.
O puro sorriso

Ele gosta quando ela se pinta
ele vê o que ninguém vê

A vaidade nas mãos do menino